XXVIII. POPs e Isótopos

            Devido a distância de grandes fontes emissoras de contaminantes, a Antártida tem sido considerada uma das poucas áreas do mundo protegidas da poluição. Porém, há algumas décadas, a crescente atividade humana, pode gerar impactos ambientais na região, seja de fontes locais, como a descarga de esgotos, efluentes domésticos, derivados de petróleo e a queima de combustíveis e dejetos, gerados nas estações de pesquisa e navios que circundam a região, ou de fontes externas como os poluentes orgânicos persistentes (POPs) graças ao transporte de longa distância, resultante da circulação atmosférica e oceânica.

           Os POPs são compostos orgânicos sintéticos que possuem grande estabilidade química, baixa degradabilidade e são comumente encontrados em diversos organismos aquáticos e terrestres (Jones, Voogt; 1999). Alguns desses poluentes são considerados altamente tóxicos e uma grande variedade de efeitos crônicos podem ser atribuídos a eles, incluindo disfunção endócrina, mutagênese e carcinogênese. Diferente de outros compostos químicos, os POPs possuem propriedades físico-químicas que lhes confere a capacidade de causar danos ambientais mesmo em baixas concentrações como, por exemplo, os processos de bioacumulação e biomagnificação. A bioacumulação refere-se ao processo pelo qual substâncias são absorvidas e acumuladas nos organismos. Este ocorre devido à característica lipossolúvel de uma série de compostos (incluindo os POPs), que facilita a acumulação dos mesmos nos tecidos. Já a biomagnificação é um fenômeno que ocorre quando há um acúmulo progressivo de substâncias na direção do topo da cadeia alimentar (ou trófica) (Figura 1).

Figura 1 - Bioacumulação e biomagnificação. Fonte: Adaptada World Wide Fund for Nature (WWF).

           Organismos no topo de cadeias alimentares estão mais suscetíveis a estes processos. Em mamíferos, como por exemplo orcas, notou-se que os PCBs, um dos tipos de poluentes persistentes, tem sido responsável pela supressão do sistema imunitário, e consequente suscetibilidade a doenças infecciosas; em aves, há evidências de que a exposição aos POPs causa o enfraquecimento da casca do ovo e alteração nas gônadas e embriões, esse fenômeno causou a diminuição massiva da população de algumas espécies, como por exemplo da águia calva, nos estados unidos; em répteis, há indícios de que a contaminação por POPs diminuiu a quantidade de jacarés na Flórida (EUA); em peixes, a exposição aos POPs induz a alterações na reprodução; em caracóis, levou à masculinização, fator diretamente relacionado à diminuição da população.

          Fica evidente que, a longo prazo, os POPs podem causar efeitos devastadores sobre a população silvestre. Esses compostos de origem sintética, portanto, distante dos locais de sua produção, alcançam tais ambientes remotos através de um processo conhecido como Destilação Global. Neste processo, exemplificado na Figura 2, os poluentes produzidos em baixas latitudes tendem a evaporar, sendo então emitidos para a atmosfera, podendo ser transportados até regiões de altas latitudes e, consequentemente, mais frias, onde irão novamente depositar e entrar nas cadeias alimentares da região.

Figura 2 - Exemplificação do processo de destilação global. Fonte: http://www.msc-smc.ec.gc.ca/arqp/process_e.cfm

          Devido a tais características deletérias citadas anteriormente, em 1995, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (The United Nations Environment Programme - UNEP) listou 12 substâncias identificadas como POPs, que foram banidas pela Convenção de Estocolmo de maio 2001, sendo oito agrotóxicos (aldrin, dieldrin, clordano, endrin, diclorodifeniltricloroetano = DDT, heptacloro, toxafeno e mirex), dois produtos industriais (bifenilos policlorados = PCBs e hexaclorobenzeno = HCB), além das dioxinas e furanos, que caracterizam-se como substâncias formadas em alguns processos industriais específicos, principalmente, durante a combustão de matéria orgânica na presença de cloro.

          Diversos trabalhos acadêmicos demonstram como os POPs podem ser encontrados em ambientes remotos, tais como ilhas oceânicas e nas regiões polares, e o comportamento destes em organismos e nas cadeias alimentares adjacentes (Cipro et al.,2011; Dias, 2010, 2015; Colabuono et al., 2014). Uma ferramenta útil e complementar a análise dos POPs, principalmente na verificação da influência de variáveis tróficas e geográficas à exposição dos organismos a estes compostos e na identificação do processo de biomagnificação em uma cadeia alimentar, são os isótopos estáveis de carbono (C) e nitrogênio (N).

          Isótopos estáveis caracterizam-se como formas de um mesmo elemento químico os quais diferem no número de nêutrons encontrados em seus núcleos (Figura 3). Estes são classificados como estáveis, quando não sofrem processos de decaimento radioativo, ou seja, não se deterioram em outros elementos.

Figura 3 - Imagem ilustrando os três isótopos do carbono. Fonte: https://alunosonline.uol.com.br/quimica/isotopos-isotonos-isobaros-isoeletronicos.html

          O isótopo estável menos abundante de um elemento tem um ou dois nêutrons adicionais e, portanto, é mais pesado do que o mais comumente encontrado na natureza. Ambos os isótopos estáveis pesados e leves participam livremente em reações químicas e em processos biológicos e geoquímicos, mas a taxa na qual estes reagem durante as reações químicas ou físicas diferem. Esse processo é denominado de fracionamento, o qual pode ser definido como o enriquecimento ou empobrecimento do isótopo pesado de uma determinada amostra em relação a sua fonte.

          Muitos isótopos estáveis são frequentemente utilizados em pesquisas científicas. Dentre estes, os isótopos estáveis de C e N possuem papel de destaque em estudos ecológicos, devido ao seu comportamento diferencial em uma cadeia alimentar. Sendo comumente expressos em termos de razões isotópicas (12C/13C e 13N/14N), estas são fracionadas (ou enriquecidas) positivamente ao longo dos elos de uma cadeia alimentar (razão da presa < razão do predador). Sendo assim, os valores estimados para uma determinada espécie refletem, consequentemente, o conteúdo isotópico contido em suas presas.

          Devido justamente ao enriquecimento diferenciado destes elementos dentro de uma teia alimentar, os isótopos estáveis de C e N geram respostas distintas acerca da ecologia alimentar de um determinado organismo. O C, devido ao seu baixo enriquecimento, pode nos dar a ideia de como um ou mais organismos utilizam de seu habitat e o tipo de ambiente em que estes se alimentam. Já o N, devido ao seu alto enriquecimento, nos fornece informações sobre a posição relativa a qual estes organismos ocupam em uma determinada cadeia alimentar.

          Concluindo, o comportamento dos POPs na fauna Antártica ainda é pouco conhecido, assim como a influência da sua ecologia alimentar à exposição destes. De toda forma, pesquisas com este enfoque e com a utilização conjunta das duas metodologias abordadas, vem crescendo gradativamente no continente uma vez que, como já comentado, as atividades humanas têm aumentado consideravelmente a “pegada química” na região e, consequentemente, a influência destes e outros compostos tóxicos na fauna e flora associada a mesma, demonstrando que no percurso desenfreado pelo desenvolvimento econômico, até mesmo as espécies mais longínquas da destruição causada pelo homem podem ser afetadas.

Para saber mais:

Air Quality Processes Research / Environment Canada - https://www.canada.ca/en/environment-climate-change/services/air-pollution/research-science/applications/processes.html

CETESB, 2018. Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) - https://cetesb.sp.gov.br/centroregional/a-convencao/poluentes-organicos-persistentes-pops/.

Cipro, C. V. Z. Ocorrência de compostos organoclorados em Euphausia superba e em ovos gorados de pinguins do gênero Pygoscelis. Dissertação de mestrado. Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, p. 148, 2007.

Cipro, C. V. Z. Poluentes orgânicos e isótopos estáveis no ecossistema da Baía do Almirantado, Ilha Rei George, Antártida. Tese de doutorado. Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, p.225, 2011.

Cipro, C. V. Z.; Taniguchi, S.; Montone, R. C. Occurrence of organochlorine compounds in Euphausia superba and unhatched eggs of Pygoscelis genus penguins from Admiralty Bay (King George Island, Antarctica) and estimation of biomagnification factors. Chemosphere, v.78, p.767–771, 2010.

Colabuono, F. I.; Barquete, V.; Tanigushi, S.; Ryan, P. G.; Montone, R. C. Stable isotopes of carbon and nitrogen in the study of organochlorine contaminants in albatrosses and petrels. Marine Pollution Bulletin, v.83, n.1, p.241-247, 2014.

Dias, P. S. Poluentes orgânicos persistentes na biota marinha do Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Dissertação de Mestrado, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, p. 79, 2010.

Dias, P. S. Poluentes orgânicos persistentes e isótopos estáveis em aves marinhas de ilhas oceânicas brasileiras. Tese de Doutorado, Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, 116p., 2015.

Jones, K. C.; de Voogt, P. Persistent organic pollutants (POPs): state of the science. Environmental Pollution, v.100, p.209-221, 1999.

Roscales, J. L.; González-Solís, J.; Zango, L.; Ryan, P. G.; Jimnénez, B. Latitudinal exposure to DDTs, HCB, PCBs, PBDEs and DP in giant petrels (Macronectes spp.) across the Southern Ocean. Environmental Research, v.148, p. 285-294, 2016.

 

Autores:

Cíntia Hanna Santos Bondioli

Francielle Vilela Peres

Jamille da Silva Rabelo

Lucas Cruz Oliveira

Victor Uber Paschoalini

Coordenador: Vicente Gomes - IOUSP

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