Estudo em lago do Quênia ajuda a datar segundo fóssil mais antigo do Homo erectus

Fonte: Jornal da USP

Amostras do solo de lago foram usadas no cálculo de datas de erupções vulcânicas e reversões no campo magnético da Terra, contribuindo para apontar idade do fóssil

Uma pesquisa realizada no Instituto Oceanográfico (IO) da USP para entender como oceanos, mares e lagos aumentam e diminuem ao longo do tempo ajudou a determinar que um fóssil de Homo erectus encontrado na África tem 1,855 milhão de anos de idade. A descoberta torna o occipital (um osso do crânio) achado em um lago do Quênia o segundo fóssil mais antigo identificado em todo o mundo do Homo erectus, um antepassado dos seres humanos atuais. Por meio da análise de materiais coletados no solo da região do lago onde estava o fóssil, o estudo do IO calculou as datas em que ocorreram erupções vulcânicas e reversões no campo magnético da Terra, contribuindo para apontar com precisão a idade do fóssil. O trabalho sobre o Homo erectus, realizado por um grupo internacional de pesquisadores, é descrito em artigo publicado na Nature Communications em 13 de abril.

  

Restauração de Homo erectus baseada em evidências s – Foto: Henry Gilbert e Kathey Schick

O fóssil foi descoberto em 1974, na costa leste do lago Turkana, no Quênia, conhecido como “Mar de Jade” devido à cor de suas águas. “Em 2018, novos fósseis de Homo erectus foram encontrados e recentemente foi identificado o local exato onde estavam os fósseis, mas os antropólogos não sabiam a idade de todos eles”, relata o pesquisador Dan Palcu, que faz estudos de pós-doutoramento no IO.  “Inicialmente, o occipital foi considerado como tendo aproximadamente 1,6 milhão de anos, mas a estimativa era controversa por causa da localização incerta do fóssil e restrições em certificar sua idade.”

Análise de amostras extraídas do solo do lago ajudou a definir com precisão idade do fóssil – Foto: Cedida pelo pesquisador

 

A participação de Palcu no trabalho aconteceu em razão da sua linha de pesquisa, que se concentra em entender como as zonas mortas (áreas sem oxigênio) ocorrem nos oceanos, mares e lagos. “Um aspecto importante é entender como essas zonas mortas ‘se consertaram’ no passado, o que permite reconstruir o histórico de expansões e regressões desses corpos d’água”, explica. “Devido à pandemia, a área inicial de estudo para lagos no Brasil era inacessível e, com a perspectiva de não ter acesso às amostras, resolvi transformar esse ‘problema’ em uma vantagem e usar material coletado no lago Turkana.”

 

De acordo com o pesquisador, confrontados com problemas semelhantes, sem possibilidade de retornar ao Quênia para prosseguir com o trabalho de datação do fóssil, pesquisadores dos Estados Unidos enviaram a ele as amostras obtidas no lago. “É importante esclarecer que a análise não usou o fóssil propriamente dito, que faz parte do patrimônio do Quênia, e não pode sair do país, a não ser em casos especiais”, observa. “Dessa forma, usamos amostras sem valor patrimonial, coletadas de áreas do lago próximas ao lugar onde foi encontrado o fóssil e onde os sedimentos estão mais expostos, e então trabalhamos nessas amostras para estabelecer a idade e as mudanças ambientais no local.”

 

História do lago

A partir da análise das amostras, estudo identificou erupções vulcânicas e reversões do campo magnético da Terra, mapeando a história das expansões e regressões do lago e ajudando a datar o fóssil – Foto: Cedida pelo pesquisador
 

Segundo Palcu, a história do lago consiste em determinar as expansões e regressões que sofreu ao longo do tempo. “Essas fases são datadas usando idades precisas de erupções vulcânicas e reversões do campo magnético da Terra”, observa. “Por outro lado, uma das minhas principais preocupações era a geocronologia, importante para a história do lago que eu estou investigando, então pude trabalhar com um geólogo e antropólogos para encontrar também a idade do fóssil.”

 

 

“Datar o fóssil com mais de 1.855 milhões de anos é extremamente importante porque isso significa que se trata do segundo mais antigo Homo erectus do mundo, depois dos fósseis de um jovem Homo erectus relatados, em Drimolen, na África do Sul.”

 

Palcu ressalta que o trabalho é um exemplo de um estudo interdisciplinar. “A pesquisa sobre o lago Turkana e sua história complexa será usada na datação de marcos importantes na evolução de nossos ancestrais”, aponta. “Mais tarde, será possível comparar esses ‘eventos’ com a cronologia das mudanças nos ambientes do lago.” O estudo é descrito no artigo New hominin remains and revised context from the earliest Homo erectus locality in East Turkana, Kenya, publicado no site Nature Communications, em 13 de abril.

Trabalho de campo no lago Turkana, interrompido pela pandemia; cronologia das mudanças nos ambientes do lago ajudará na datação de marcos importantes na evolução dos ancestrais do homem – Foto: Cedida pelo pesquisador

 
“O trabalho é a primeira colaboração entre o IO e o consórcio internacional que opera a Escola de Campo Koobi Fora, e a ideia é que tenhamos alunos brasileiros envolvidos em projetos futuros”, destaca Palcu. Fazem parte do projeto o Museu Americano de História Natural (Estados Unidos), Universidade de Witwatersrand (África do Sul), Arizona State University (Estados Unidos), The George Washington University (Estados Unidos), Pennsylvania State University (Estados Unidos), Museu Nacional da Etiópia, Universidade de Addis Ababa (Etiópia), Museus Nacionais do Quênia, University of North Georgia (Estados Unidos), Columbia University (Estados Unidos), Universidade de Utrecht (Holanda) e Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária (Alemanha).
 

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