Pesquisa prevê declínio na pesca tropical devido às mudanças climáticas

Fonte: CNPq

Artigo recente publicado na Nature prevê a redução drástica das pescarias tropicais nas próximas décadas como resultado das mudanças climáticas. Segundo o estudo, dentro de 30 anos, a pesca tropical - da qual cerca de 1,9 bilhão de pessoas dependem para alimentação e subsistência - pode sofrer um declínio de 40% se nada for feito para mitigar as mudanças climáticas e seus efeitos. 

A pesca tropical contribui com cerca de 50% da captura anual global de pescado. Essas pescarias, no entanto, são vulneráveis a mudanças no oceano associadas ao aumento dos gases de efeito estufa, incluindo aquecimento das águas, acidificação, desoxigenação, aumento do nível do mar e concentrações alteradas de nutrientes. No estudo, os pesquisadores mapeiam os efeitos que o aquecimento dos oceanos, o aumento do nível do mar e as mudanças na química e nos ecossistemas marinhos terão nos estoques de peixes tropicais e, por extensão, nas pessoas.

A publicação Mudanças climáticas, pesca tropical e perspectivas para o desenvolvimento sustentável, resultado de um novo estudo internacional, tem como coautora a pesquisadora Maria Gasalla, bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).

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O estudo revela que os oceanos tropicais e a pesca estão ameaçados pelas mudanças climáticas globais,
gerando impactos que afetarão o desenvolvimento sustentável das economias e comunidades locais.
Foto: Pixabay 

A pesquisa

O estudo usa um modelo de emissões de gases de efeito estufa estabelecido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), no qual nenhuma ação considerável é tomada globalmente para diminuir o ritmo das mudanças climáticas. "As quatro Vias de Concentração Representativa (RCPs) usadas pelo IPCC representam futuros climáticos que vão desde o cenário de emissões mais baixas do RCP 2.6 até os cenários de emissões mais altas do RCP 8.5", diz Gasalla. "Em nosso artigo, destacamos o declínio associado ao cenário RCP 8.5, que é o pior cenário e muitas vezes referido como business-as-usual (cenário habitual) porque é considerado por muitos como o mais provável dos quatro cenários", completa. Já no cenário de baixas emissões, muitos dos impactos previstos na pesca tropical seriam evitados. Para avaliar os efeitos das mudanças climáticas na pesca marinha tropical os pesquisadores se basearam em um amplo conjunto de pesquisas já publicadas.

A pesquisadora diz, ainda, que as implicações disso "infelizmente atingirão o sofrimento humano, observando que este é mais um exemplo de injustiça climática, uma vez que a maioria dos países tropicais contribui pouco com gases de efeito estufa". Mas, segundo o artigo, as pessoas mais diretamente afetadas não serão as únicas atingidas. "Mesmo que você viva milhares de quilômetros no interior, se você tiver uma lata de atum no armário, há uma boa chance de que tenha sido pescado no oceano tropical", diz Gasalla. Isso significa, de acordo com o estudo, que todo mundo vai sentir os impactos negativos das mudanças climáticas sobre a pesca tropical, não apenas as pessoas que vivem nos trópicos.

Com foco nas várias implicações das mudanças climáticas em várias dimensões dos ambientes naturais e humanos, o artigo demonstra porque é crucial antecipar esses cenários e trabalhar agora para conceber soluções possíveis.

Os oceanos tropicais e a pesca estão ameaçados pelas mudanças climáticas globais, gerando impactos que afetarão o desenvolvimento sustentável das economias e comunidades locais mas também nas regiões extra-tropicais por meio do 'teleacoplamento' de sistemas humano-naturais, como o comércio de frutos do mar e a pesca em águas distantes, diz o estudo.

Os recursos pesqueiros são as commodities alimentares mais comercializadas globalmente, uma média de US $ 96 bilhões anuais. As evidências científicas disponíveis mostram de forma consistente que os habitats marinhos tropicais, os estoques de peixes e a pesca são os mais vulneráveis às mudanças oceânicas associadas às mudanças climáticas. 

No entanto, o estudo destaca que o teleacoplamento, ou seja, as ligações entre sistemas humanos-naturais distantes, pode gerar cascatas de impactos da mudança climática dos trópicos que se propagam para outros sistemas naturais 'extra' tropicais e comunidades humanas globalmente. 

"As interações de teleacoplamento entre duas ou mais áreas conectadas à distância entre a pesca tropical e em outros lugares incluem pesca em águas distantes, a cadeia internacional de abastecimento de pescado, e os recursos pesqueiros transfronteiriços, sendo que sua governança permitiria que os benefícios derivados da pesca tropical fossem transferidos para as outras populações", disse Mary Gasalla. 

A pesquisadora explica que, embora essas ligações possam permitir o fluxo de benefícios, incluindo alimentos, meios de subsistência e receitas do governo, desde a pesca tropical até locais extratropicais, a dependência da pesca tropical também as expõe às consequências negativas das mudanças climáticas. Por exemplo, os efeitos da mudança climática na pesca tropical também afetam a lucratividade e as oportunidades de emprego das indústrias de processamento de pescado em regiões extratropicais.

Para reduzir esse efeito nos benefícios derivados da pesca tropical, tanto localmente quanto em regiões extra-tropicais, as causas básicas dos problemas causados pelo clima na pesca tropical precisam ser reconhecidas e corrigidas. Soluções eficazes e práticas de adaptação e mitigação com compromisso e envolvimento das partes interessadas, bem como políticas de apoio, são, portanto, necessárias nos trópicos.

"Vemos que há vínculos estreitos entre as regiões tropicais e as nações extra-tropicais por meio do comércio internacional e da pesca em águas distantes. Resolver os impactos das mudanças climáticas nos trópicos beneficiará todo o mundo; isso fornece um argumento adicional para os países não tropicais apoiarem a mitigação e adaptação ao clima em países tropicais", afirma Gasalla. 

"Quando as pessoas pensam em alimentos e na crise climática, tendemos a pensar em secas e escassez de produtos básicos como arroz, milho, trigo", completou. Mas o artigo aponta que existem iminentes crises alimentares - e sociais e políticas associadas - que estão se referem ao oceano e à pesca. O oceano é uma parte crítica da discussão sobre o clima, que muitas vezes é esquecida. 

Equipe multidisciplinar e internacional
Para examinar os impactos de longo alcance desta questão, a equipe de pesquisa reuniu especialistas de todo o mundo e de várias áreas - porque, como Mary observa, "a crise climática exige uma nova abordagem de pesquisa". Compreender os impactos diferenciais das mudanças climáticas e desenvolver respostas eficazes e contextualizadas requer pensadores de várias origens¿, ressalta. Os autores deste artigo incluem acadêmicos e profissionais de uma variedade de ciências naturais e sociais, da modelagem econômica à geografia humana. 

O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (Brasil), da Universidade da Columbia Britânica (Canadá), Universidade de Washington (Estados Unidos), Universidade de Wollongong (Australia), Brock University (Canadá), e Universidade de Berna (Suiça).

Sobre o artigo
O artigo Climate change, tropical fisheries and the prospect for sustainable development ('Mudanças climáticas, pesca tropical e perspectivas para o desenvolvimento sustentável') por Vicky WY Lam, Edward H. Allison, Johann D. Bell, Jessica Blythe, William WL Cheung, Thomas L. Frölicher, Maria A. Gasalla e U. Rashid Sumaila foi publicado na Nature Reviews Earth & Environment.

O texto está disponível para leitura na página do Laboratório de Ecossistemas Pesqueiros (LabPesq) do IOUSP (www.labpesq.io.usp.br).

O estudo foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e fundos da Fundação Nippon, Banco Mundial, CGIAR, ANCORS, Fundação Moccasin Lake, Fundação Hans Sigrist, Centro Oeschger para Pesquisa de Mudanças Climáticas, Conselho de Pesquisa de Ciências Naturais e Engenharia do Canadá, Conselho de Pesquisa Humana do Canadá,  Fundação Ciência Nacional Suíça, e Horizonte 2020.

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