Desenvolvimento de Estrutura e Medições de Pressão de Fundo na Cadeia Vitória-Trindade

C.A.S. França - F.L. Vicentini Neto - M.L. Bastianello Junior - A.R.de Mesquita
Janeiro de 2001

Resumo

Medidas da pressão do oceano em grandes profundidades podem ser utilizadas para estimativas da maré oceânica, da resposta do oceano ao vento com escalas temporais de dias, de ondas de Rossby topográficas e da variabilidade de meso-escala (L~=100km). Uma estrutura contendo sensor de pressão profundo Aanderaa e sistema de comunicação e liberação acústica Mors foi montado no Laboratório de Instrumentação Oceanográfica do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (LIO-IOUSP) para permitir essas medidas. O sistema foi lançado e recuperado em junho de 2001 no contorno H/f=4.8x107ms, na posição 20o15.4'S 035o51.6W, profundidade 2425 m, na cadeia submarina Vitória-Trindade. O teste de campo de 5 dias foi realizado com o auxílio da Marinha do Brasil através do NHi Sírius. As medidas resultantes apresentam um claro sinal da maré oceânica. Uma tendência observada pode estar associada à deformação plástica do sensor de pressão mas o curto período de observação não permite uma afirmação conclusiva. O sucesso da operação realizada em conjunto pelo IOUSP e a Marinha do Brasil abre caminho para futuras colaborações em medições do nível do mar ao longo da costa brasileira.

Introdução

O objetivo deste trabalho é o de apresentar um equipamento que congrega um sistema de Registro de Pressão de Fundo e um sistema acústico de lançamento e recuperação montado no Laboratório de Instrumentação Oceanográfica (LIO) do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) que permitirá a obtenção de estimativas da maré oceânica além de variabilidade de meso-escala associada à circulação do oceâno.

O presente trabalho apresenta também medidas referentes ao primeiro teste de sistema em regiões profundas realizado com auxílio do navio NHi Sírius do Centro de Hidrografia e Navegação (CHM) da Marinha do Brasil, na operação de abastecimento do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT), realizado entre os dias 14 e 26 de junho de 2001, assim como os testes iniciais e a calibração do sensor de pressão realizadas.

Equipamento

O desenho e especificações técnicas da estrutura construída estão representados na Figura 1

\begin{figure}\centerline{\hbox{\psfig{figure=estrut2.ps,height=15cm}}}\end{figure}

Fig. 1 Estrutura contruída no LIO-IOUSP para congregar sensor/registrador de pressão de fundo, liberador acústico, bóias e poita.

Sensor de Pressão

O sensor e registrador de pressão profunda é o WLR-8 (``Water Level Recorder'') fabricado pela Aanderaa Instruments. Adicionalmente, sensores de temperatura e condutividade também estão presentes nesse equipamento (número de série 1755). O sistema eletrônico do instrumento controla a energia gerada por baterias internas utilizada para o funcionamento dos sensores, relógio, intervalo de tempo entre as medidas e registrador das medidas. O registro é realizado em memória sólida (``Data Storage Unit'' - DSU número de série 10649). A cápsula metálica que contém o sistema de registro e sensores é capaz de suportar pressões da ordem de 6x107 Pa, ou seja, profundidades de 6000 m no oceano.

O sensor de pressão - Paroscientific Digiquartz Pressure Transducer - é baseado no efeito piezo-elétrico de um cristal de quartzo sensível. A resolução do sensor é de 0.001% da amplitude de medida - 0 a 4190 m - ou seja 0.04m; a acurácia é de 0.01% da amplitude da medida: 0.4m.

O sensor de temperatura - Fenwall GB32JM19 thermistor - é baseado na resistência de um termistor. A acurácia é de +/-0.10C.

O sensor de condutividade é do tipo indutivo, composto de dois toróides de material magnético cobertos por espirais de cobre e encapsulados em poliuretano. A resolução é de 0.1% da amplitude da medida - 0 a 74 mmho/cm - ou seja 0.07mmho/cm; a acurácia é de +/-0.25mmho/cm.

Liberador Acústico

O liberador acústico AR 661 CS-V3, número de série 710, fabricado pela MORS S.A., suporta pressões da ordem de 6x107Pa (6000 m). É capaz de liberar uma carga de 500 kg e tem uma carga de trabalho segura de 2500 kg.

A comunicação com o instrumento submerso é realizado através da unidade de bordo TT 301-B (MORS S.A.) de transmissão/recepção de sinais acústicos com freqüências entre 8 e 16 kHz. O alcance estimado do sinal é de 10000m em boas condições ambientais.

Bóias e poita

Quatro bóias esféricas de vidro envolvidas por plástico modelo 2040-17v 204H, fabricadas pela Benthos Inc., capazes de suportar pressões de 6.7x107Pa (6700 m), fornecem empuxo positivo à estrutura metálica e instrumentos (WLR-8 e AR 661 CS-V3) de, aproximadamente, 1000 N (25N cada). Uma poita de aço com dimensões aproximadas 0.5x0.5x0.025m3 fornece empuxo negativo de 1000 N.

Utilização do Equipamento

Teste em Ubatuba

Testes de funcionamento do sistema foram realizados inicialmente em Ubatuba, SP, em profundidades inferiores a 30 m nas proximidades da Base de Pesquisa Clarimundo de Jesus do IOUSP, utilizando a embarcação Velliger II para lançamentos e recuperação do equipamento realizados entre 04 e 06 de junho de 2001.

Calibração

O sensor de pressão foi calibrado no LIO-IOUSP utilizando-se uma balança de peso morto Desgranges et Huot 5403 E CP, para uma única temperatura de operação (aproximadamente 20oC) e amplitude de pressão entre 0 e 3x107Pa a intervalos de 3x106Pa.

A leitura do sensor de pressão (N) é obtida combinando-se os caanais 3 (N3) e 4 (N4) dos dados registrados (N=1024xN3+N4). A medida de pressão p em MPa (1MPa=106Pa) é obtida através de:

p=A+BN+CN2+DM3,              (1)

onde A, B, C e D são as constantes de calibração.

Foram realizadas várias calibrações. Uma antes do lançamento (Ca), três seguidas uma semana após a recuperação em águas profundas (Cp1, Cp2 e Cp3) e mais três com intervalos de 1 semana mantendo-se o sensor pressurizado a 2x107Pa entre elas (Cpr1, Cpr2 e Cpr3). Os resultados, juntamente com as constantes de calibração fornecidas pelo fabricante são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1: Constantes de calibração para o sensor de pressão.

 
C0 Ca Cp1 Cp2 Cp3 Cpr1 Cpr2 Cpr3
A -6.571606E+01 -6.7224E+01 -6.4733E+01 -6.5739E+01 -6.5561E+01 -6.5281E+01 -6.4954E+01 -6.5026E+01
B 2.070342E-04 2.2079E-04 1.9812E-04 2.0725E-04 2.0552E-04 2.0295E-04 2.0001E-04 2.0060E-04
C 1.169726E-10 7.5532E-11 1.4439E-10 1.1676E-10 1.2230E-10 1.2985E-10 1.3872E-10 1.3698E-10
D 4.612462E-18 4.6052E-17 -2.3400E-17 4.2675E-18 -1.5816E-18 -9.0006E-18 -1.7817E-17 -1.6086E-17
Teste na Cadeia Vitória-Trindade

Utilizando o NHi Sírius do Centro de Hidrografia e Navegação (CHM, antiga DHN - Diretoria de Hidrografia e Navegação) da Marinha do Brasil em operação de abastecimento do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) o equipamento foi lançado na posição20o15.3673'S 035o51.6503'W, profundidade 2420m, às 13:00 GMT (``Greenwich Meridian Time'') do dia 16/06/2001 no trajeto entre o porto do Rio de Janeiro, RJ, e a Ilha da Trindade, e recuperado em 21/06/2001, às 11:30 GMT, no trajeto do navio entre a Ilha da Trindade e o porto de Vitória, ES.

Resultados

Os lançamento e recuperação do equipamento foram realizados com sucesso tanto em regiões rasas - profundidades menores do que 30m, nas proximidades de Ubatuba, SP - quanto em região profunda - profundidade maior do que 2000m nas proximidades da cadeia submarina Vitória-Trindade.

Nos lançamentos rasos, cujo objetivo foi o de testar o sistema acústico e a estrutura, não foram realizados registros de pressão. Para o lançamento efetuado na cadeia Vitória-Trindade os resultados estão representados na Figura 2.

\begin{figure}\centerline{\hbox{\psfig{figure=recn.ps,height=10.0cm,angle=-90}}}\end{figure}

Figura 2: Registro da leitura (N = 1024*N3 + N4) do sensor de pressão obtido no lançamento profundo (2420m, 20o15.3673'S 035o51.6503'W).

As curvas de calibração do sensor de pressão estão representadas na Figura 3.


Figura 3: Curvas de calibração para o sensor de pressão. (a) Para todas as profundidades de funcionamento do sensor e (b) nas proximidades de 2400m de profundidade.

Verifica-se, visualmente que as curvas de calibração são quase lineares para toda a amplitude de funcionamento do sensor de pressão (0 a 42MPa); nas pressões de operação do sensor e na escala utilizada não é possível notar diferenças entre as oito curvas de calibração (Figura 3(a)). Nas proximidades da profundidade de operação, entretanto, as curvas de calibração obtidas apresentam níveis diferentes, indicando a acurácia do sensor, e são todas paralelas indicando a precisão das medidas (Figura 3(b)).

Para o período de registros de pressão do oceano profundo realizado, foram aplicadas todos os oito conjuntos de constantes de calibração (Tabela 1). A Figura 4 apresenta os resultados. A diferença média e o desvio padrão da diferença entre sete calibrações e a fornecida pelo fabricante são apresentadas na Tabela 2, onde verifica-se que a acurácia atingida é da ordem de 77hPa (1hPa=102Pa) e a precisão de 0.04hPa para esse sensor na profundidade aproximada de 2400m.

\begin{figure}\centerline{\hbox{\psfig{figure=cvt_01.ps,height=12.0cm,angle=-90}}}\end{figure}

Figura 4: Registros de pressão obtidos para o período 16 a 21 de junho de 2001 na cadeia Vitória-Trindade utilizando-se diferentes constantes de calibração para o sensor.
 
 

hPa hPa
Co - -
Ca -68.85 4.9e-02
Cp1 -202.08 3.8e-02
Cp2 -110.15 5.0e-02
Cp3 -112.84 4.9e-02
Cpr1 16.00 3.4e-02
Cpr2 -52.31 3.3e-02
Cpr3 -8.99 2.5e-02
Média -77.03 4.0e-02

Tabela 2: Diferença Média e Desvio Padrão da Diferença entre a pressão obtida utilizando-se as contantes de calibração fornecidas pelo fabricante (Co) e as obtidas utilizando-se as sete diferentes calibrações realizadas no LIO-IOUSP.

Utilizando-se um filtros de médias móveis sucessivos, o sinal da maré oceânica foi removido. Foram aplicados sucessivamente três filtros de comprimento 96, 96 e 100, respectivamente. O resultado, utilizando-se as estimativas de pressão obtidas com constantes Co (Tabela 2), é apresentado na Figura 5, onde pode-se verificar uma tendência equivalente a -2 cm (1HPa ~=1cm) em 1,5 dias, aproximadamente. Não é possível observar um período maior do que esse devido à perda de informação nos instantes iniciais e finais da série de tempo causados pela utilização dos filtros. Essa variação, embora de magnitude considerável, pode ser causada por variações da pressão atmosférica na região; um período maior de observações é necessário para verificar-se o comportamento dessa tendência (assim como observações simultâneas de pressão atmosférica).

\begin{figure}\centerline{\hbox{\psfig{figure=runmean.ps,height=12.0cm,angle=-90}}}\end{figure}

Figura 5: Registro de pressão obtido para o período 16 a 21 de junho de 2001 na cadeia Vitória-Trindade filtrado.

Considerações Finais

Estão apresentados neste trabalho os resultados obtidos na viagem realizada a bordo do NHi Sírius do Centro de Hidrografia da Marinha entre 14 e 26 de junho de 2001, cujo objetivo principal foi o de testar um sensor de pressão em grandes profundidades e uma estrutura para seu lançamento e recuperação. Os objetivos da viagem foram plenamente cumpridos depois da recalibração e análise dos dados obtidos através da utilização do sensor de pressão em águas profundas.

Outros lançamentos na mesma região estão sendo planejados por longos períodos (maiores do que 1 ano). Será de grande interesse a comparação dos resultados das medidas em águas profundas e as medidas obtidas na estação GLOSS (``Global Sea Level Observing System") da Ilha da Trindade (GLOSS 265), localizada a leste da posição do lançamento e eventuais medidas do nível do mar obtidas no continente adjacente a oeste possivelmente em Vitória, ES.

A instrumentação desenvolvida segue as linhas do primeiro sistema de medição de pressão de fundo realizada na Inglaterra por Spencer & Gwiliam (1968). Ver na paágina www.mares.io.usp.br - ícone MARK IV um exemplo da utilização em recuperação acústica da quarta geração desse equipamento, o MARK IV, feita durante o WOCE ( World Ocean Currents Experiment) em 1997, através da utilização do barco pesqueiro MAR FRIO em 32S;36W.

Figura 6: Posições das estações permanentes, pelágicas e estações do GLOSS de medição do nível do mar na costa brasileira, existentes e planejadas. A linha pontilhada indica a Sessão Capricórnio de medições oceanográficas.

O conjunto de medições de pressão de fundo é feito conforme plano estabelecido no Projeto de pesquisas : " Pontos Anfidrômicos e Variações Sasonais no Atlântico Sul, bem como no Projeto FAPESP 94/06274-2 : Medições Pelágicas nas Costas Brasileiras. A Fig 6 contém o plano de medições pelágicas sendo realizadas por esses projetos de pesquisas. O primeiro medidor de pressão de fundo oceânico construído no paiís foi feito em 1979 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Instituto de Pesquisas da Marinha do Brasil com apoio financeiro do Banco o Brasil, atravez do programa FIPEC e presentemente se encontra no Instituto Oceanográfico sendo utilizado com objetivos didáticos

Referências

1 - Spencer, R. & Gwiliam, TJ P. (1968). Sea bed capsule for measuring pressure at depths up to 4000 metres. 1974. Proc. of IEEE. Inter. Conf. Eng. in the Ocean Environment. Vol (1) : 339-343.

Acknowledgements

We are grateful to FAPESP (Foundation of Aids to Scientific Research of the State of São Paulo, Brazil), for financial support and the DHN (Directory of Hydrography and Navigation) of the Brazilian Navy for ship time support and Commander and Officers of the Hydrographic Vessel NHi Sirius for continued help during the cruise to the Isle of Trindade.