XXV. Longevidade em animais marinhos antárticos

  As causas da longevidade de uma espécie animal nem sempre são fáceis de explicar: pelo menos em parte, sabe-se que ela é geneticamente determinada, enquanto que, por outro lado, ela depende das características do meio, da história de vida do indivíduo,dos recursos disponíveis, etc.. A idade da morte de cada indivíduo de uma população varia bastante. Muitos morrem nas fases iniciais do ciclo de vida, que normalmente é bastante crítica, enquanto que outros vivem além do esperado para aquela determinada espécie. Neste texto, utilizaremos a palavra longevidade, de uma espécie em particular, referindo-se à expectativa de vida dos indivíduos de uma população como um todo, desconsiderando-se aqueles que morrem nas fases juvenis, por acidente ou por predação, e, também, em alguns casos, a registros conhecidos de animais que atingiram idade avançada.

  O tempo de vida dos animais varia muito de espécie para espécie. De forma geral, organismos ativos vivem menos tempo do que os organismos pouco ativos; os menores vivem menos que os maiores, apesar de que isso não pode ser considerado como uma regra geral. Alguns animais, como certos insetos, possuem a vida adulta muito breve, dedicada praticamente apenas à reprodução. A efémera madura, inseto comum em corpos de água doce, não se alimenta e vive de 30 minutos a algumas horas, dificilmente ultrapassando os 3 dias. A sua fase imatura na forma de ninfa, entretanto, pode durar até 3 anos. Por outro lado, indivíduos de algumas espécies podem reverter seu ciclo de vida retrocedendo da vida adulta para a fase imatura e, então, tornar a se desenvolver novamente em adultos, por períodos de tempo indefinidos. Esse é o caso dos hidrozoários marinhos Turritopsis dohrnii e Laodicea undulata por exemplo, mas ainda não se sabe quantas vezes eles podem fazer isso e nem quanto tempo viveriam. Em princípio, se o processo puder se repetir indefinidamente, eles seriam “eternos”.

Organismos longevos: O hidrozoário Turritopsis dohrnii (http://www.strangeanimals.info), a estrela do mar Odontaster validus (http://www.otago.ac.nz/), a esponja Cinachyra antarctica (http://oikonos.org/) e o bivalve Arctica islandica (http://blogs.discovermagazine.com/).

  Em geral, os animais marinhos que vivem por mais tempo pertencem a alguns grupos de animais sedentários e de metabolismo baixo, como esponjas, corais, moluscos, equinodermos, entre outros. Eles podem ser encontrados nos Oceanos do mundo todo e em diferentes profundidades. Dentre as espécies conhecidas cujos indivíduos vivem por mais tempo estão os corais negros do Golfo do México do gênero Antipatharia, que podem chegar aos 2000 anos e as esponjas gigantes Xestospongia muta,dos mares do Caribe,que podem chegar aos 2300 anos.

  Em relação aos diferentes ambientes marinhos do nosso planeta, alguns pesquisadores acreditam que dentre as inúmeras espécies de animais marinhos antárticos, várias delas vivem por relativamente mais tempo do que seus congêneres de lugares mais quentes. Apesar de que nem todos os animais antárticos vivem muito, há evidências de que realmente um bom número das espécies são relativamente longevas. Em parte, associado à longevidade, podemos lembrar do fenômeno do gigantismo, que já discutimos em outra postagem ( XXIII. Os gigantes da Antártida). A causa desses fenômenos é ainda bastante debatida. Entre os motivos que levariam a uma vida longa em animais de águas frias estariam o metabolismo baixo, a abundância de oxigênio, o crescimento lento, a reprodução tardia e as adaptações evolutivas a um ambiente com produção altamente sazonal. Por exemplo, a esponja Cinachyra antarctica cresce muito lentamente, gasta muito pouca energia devido ao metabolismo reduzido e um indivíduo teve a idade estimada em 1550 anos. Por outro lado, animais antárticos de vida livre e bastante ativos como os crustáceos conhecidos como krill da Antártica, Euphausia superba, podem viver até 11 anos, o que é um tempo muito mais longo do que vivem crustáceos semelhantes a eles em águas tropicais cujo tempo de vida é de alguns meses até cerca de 5 anos. Outros exemplos são também conhecidos em águas antárticas, como o do bivalve Yoldia eightsi que vive cerca de 50 anos, ou cerca de 10 vezes mais do que organismos semelhantes tropicais; a estrela-do-mar Odontaster validus, que chega a mais de 100 anos e o ouriço Sterechinus neumayeri  que vive mais do que 50 anos. Nas águas frias do Ártico, os bivalves da espécie Arctica islandica podem viver até mais de 500 anos. Esses moluscos são comestíveis e são capturados para fins comerciais. Corroborando a hipótese que os ectotérmicos de regiões frias teriam a tendência a viverem mais, verificou-se que as populações desses organismos que crescem nas áreas mais frias podem viver muito mais tempo do que as populações que vivem mais ao sul, onde as variações de salinidade e de temperatura são maiores. Esses velhos moluscos são muito úteis para estudar o passado do nosso planeta, pois características do clima ficam registradas nos anéis anuais de crescimento de suas conchas. Alguns vertebrados de águas frias, também podem ter vida longa, como é o caso dos tubarões da Groenlândia que podem viver até 400 anos, conforme foi recentemente constatado. Este seria o vertebrado mais longevo dentre todos. Alguns endotérmicos de regiões polares também são conhecidos por viverem bastante. A baleia do Ártico, Balaena mysticetus, que vive toda sua vida em águas frias, pode chegar aos 211  anos, sendo os mamíferos mais velhos que se tem notícia.

  A longevidade e suas causas atraem a atenção dos seres humanos por motivos evidentes. O estudo dessas espécies pode trazer novos esclarecimentos sobre esse assunto.

  Leituras sugeridas:

http://www.realclearscience.com/blog/2015/04/cold_may_be_a_key_to_ long_life.html http://www.coolantarctica.com/index.php https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_longest-living_organisms https://en.wikipedia.org/wiki/Arctica_islandica

Keil, G.; Cummings, E.;de Magalhães, J.P. 2015. “Being cool: how body temperature influences ageing and longevity." Biogerontology,

  1. 16(4), p. 383-397. DOI: 10.1007/s10522-015-9571-2.
  Autores: Vicente Gomes, Marina Tenório Botelho, Maria José de A.C.R. Passos.

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